recentemente no campo da bionanotecnologia.
Esse ensaio busca discutir, sob o ponto de vista da segurança biológica, as possíveis implicações, para um futuro próximo das aplicações previstas para a nanotecnologia no campo da medicina e do meio ambiente.
A nanotecnologia envolve a criação e manipulação de partículas na escala do nanômetro (bilionésima parte do metro). É tipicamente o tamanho de uma molécula pequena. Para que se tenha uma idéia, os átomos têm dimensões de aproximadamente 0,1 a 0,4 nm. Já um vírus tem de 10 a 100 nm.
Quanto é pequeno um nanômetro? A seqüência de imagens nos leva cada vez mais fundo na estrutura damatéria, da pele da mão aos átomos do DNA. A margem de cada imagem é 10 vezes menor do que amargem da imagem anterior. E o quadrado preto visto dentro de cada foto engloba a área ampliada na foto
Imagens do livro Powers of Ten, de Philip e Phylis Morrison, retrabalhadas por Charles e Ray Eames.
Fonte: Scientifc American Brasil, junho de 2002.
[Riscobiologico.org - imagens anexadas não enviadas.]
Várias áreas interligadas estão no centro desta revolução: Eletrônica Molecular, Química Supramolecular, Equipamentos Nanométricos, Sistemas Imunológicos Artificiais, Algoritmos Evolucionários, Computação Quântica, Pontos Quânticos em Semicondutores, entre outros. A conjunção destas grandes áreas de conhecimento tem sido responsável, pelo sucesso teórico até agora alcançado pela bionanotecnologia.
Alguns exemplos de aplicação:
Indústria automobilística e aeronáutica - Materiais mais leves, pneus mais duráveis, plásticos não inflamáveis e mais baratos, etc.
Indústria eletrônica e de comunicações - Armazenamento de dados, telas planas, aumento na velocidade de processamento, etc.
Indústria química e de materiais - Catalisadores mais eficientes, ferramentas de corte mais duras, fluidos magnéticos inteligentes, etc.
Indústria farmacêutica, biotecnológica e biomédica - Novos medicamentos baseados em nanoestruturas, kits de auto-diagnóstico, materiais para regeneração de ossos e tecidos, etc.
Setor de fabricação - Novos microscópios e instrumentos de medida, ferramentas para manipular a matéria a nível atômico, bioestruturas, etc.
Setor energético - Novos tipos de bateria, fotossíntese artificial, economia de energia ao utilizar materiais mais leves e circuitos menores, etc.
Meio-ambiente - Membranas seletivas, para remover contaminantes ou sal da água, novas possibilidades de reciclagem, etc.
Defesa - Detectores de agentes químicos e orgânicos, circuitos eletrônicos mais eficientes, sistemas de observação miniaturizados, tecidos mais leves, etc.
Quando se fala em nanotecnologia, não se podem deixar de lado alguns materiais que estão no cerne de quase todas as pesquisas nesta área. A seguir, alguns materiais e seus potenciais aplicações:
Material
Propriedades
Aplicações
-- Átomos
-- Poços quânticos (Quantum wells)
Camadas ultra-finas de material semicondutor (o poço) crescidas entre barreiras (grades). As grades aprisionam os elétrons nas camadas, conferindo algumas propriedades que levaram, por exemplo, ao desenvolvimento de eficientes dispositivos a laser.
Aparelhos de CD (compact disc). Telecomunicações. Ótica.
-- Pontos quânticos (Quantum dots)
Nanopartículas fluorescentes. Dependendo de sua composição, podem exibir uma gama de cores.
Telecomunicações Ótica.
-- Polímeros
Alguns materiais orgânicos emitem luz sob ação de corrente elétrica.
Informática.
Partículas com menos de 100 nm de tamanho
-- Nanocápsulas
Buckminsterfulerenos são os mais conhecidos. Descobertos em 1985, estas partículas tem 1 nm de largura.
Lubrificante nanoparticulado a seco.
-- Nanopartículas catalíticas
Na faixa de 1-10 nm, estas partículas, quando manipuladas, apresentam uma área superfícial grande, melhorando sua reatividade.
Entre outras, produção de materiais, combustíveis e alimentos. Saúde e agricultura.
Fibras com menos de 100 nm de diâmetro
-- Nanotubos de carbono
Existem dois tipos: nanotubos de única camada, chamados de 'buckytubes', e nanotubos de múltiplas camadas. Descrito como o material mais importante em nanotecnologia, hoje em dia, podem conferir uma resistência 50-100 vezes maior que o aço.
Espacial e aviação. Automóveis. Construção.
Filmes com menos de 100 nm de espessura
-- Monocamadas auto-montadas
Substâncias orgânicas ou inorgânicas que, espontaneamente, formam uma camada da espessura de uma molécula.
Uma gama de aplicações baseadas nas propriedades químicas e físicas.
-- Coberturas nanoparticuladas
Camadas de aço inoxidável aplicadas por pós nanocristalinos conferem maior dureza em comparação com aplicações convencionais.
Sensores. Fabricação de cristal líquido. Fios moleculares. Camadas de lubrificação, de proteção e anticorrosivas. Ferramentas de corte mais fortes e duras.
Materiais nanoestruturados
-- Nanocompósitos
Combinações de metais, cerâmicas, polímeros e materiais biológicos, que permitem comportamento funcional.
Microeletrônica. Indústria de pneus (negro de fumo).
-- Têxteis
Incorporação de nanopartículas e cápsulas em roupas conferem leveza e durabilidade, e mudam as propriedades físicas dos tecidos.
Indústria têxtil (civil e militar).
Fonte: Brasil, MCT, Temas em C&T Nanotecnologia. www.mct.gov.br/Temas/Nano/introducao_nano.htm - Acessado em março de 2004.
A idéia de que a nanotecnologia venha a ser uma "Supradisciplina", só será possível se forem incorporados os procedimentos de nanobiossegurança e de transparência dos seus benefícios e objetivos para com a sociedade.
O que mais impressiona neste cenário de inovações tecnológicas é que estas se dão em um curto espaço de tempo e que, muitas vezes, acabam nos pegando de surpresa, atordoando-nos, deixando perplexos governantes e, em especial, a própria sociedade.
Uma poderosa aliança entre governos, mercado e ciência está impelindo a sociedade para uma nova era, na qual provavelmente grandes empresas possuirão o domínio sobre a maioria das funções básicas de todas as formas de vida associadas, ou não, com partículas em escala nanométricas.
O conhecimento científico sobre o funcionamento do genoma nos dá o horizonte de poder de curar e o de prevenir determinadas doenças, e com o mecanismo das nanociências realizar intervenções mais precisas, pelo menos teoricamente. Apesar de os cientistas afirmarem que é ainda muito cedo para os tão esperados resultados práticos, o anúncio de descobertas no campo da bionanotecnologia é recebido pela mídia e pelos grandes investidores com grande euforia.
Quando consideramos as vantagens e as desvantagens da bionanotecnologia ficam nítidas as diferentes maneiras pelas quais os efeitos podem ser avaliados. De um lado, posições com alto grau de otimismo, de outro, aqueles que julgam as potencialidades do conhecimento nanobiotecnológico de forma sombria. Precisamos evitar o maniqueísmo que foi adotado no caso dos transgênicos.
As vantagens da bionanotecnologia, como são vistas por seus proponentes, incluem reais e potenciais contribuições para as áreas da medicina, farmácia, agricultura, indústria de alimentos e preservação de nosso meio ambiente.
Na medicina, o mapeamento do genoma humano, associado ao desenvolvimento da nanotecnologia, abre caminho para uma série de desenvolvimentos futuros, como por exemplo: diagnósticos e terapias para prevenir e tratar doenças hereditárias entre outras, terapia celular, fármacos inteligentes, novas formas de imunizantes e de imunizações etc.
Para o meio ambiente, as promessas da bionanotecnologia estão vinculadas à biorremediação, isto é, nanopartículas associadas, ou não, aos Organismos Geneticamente Modificados, com poder de neutralizar produtos químicos altamente tóxicos ou outros tipos de poluição urbana e industrial.
Este potencial tem encorajado um aumento de gastos com P&D. Em 2002, o governo dos Estados Unidos gastou aproximadamente US$ 604 milhões, enquanto a Comissão Européia alocou US$ 1,3 bilhões. No Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia já criou a Rede Brasileira de Nanotecnologia. A proposta orçamentária encaminhada ao Congresso Nacional para o Programa de Nanotecnologia no Plano Plurianual 2004 - 2007 prevê recursos da ordem de R$ 77,7 milhões.
As perspectivas mais pessimistas apontam para dados científicos que alertam para os potenciais efeitos adversos das nanopartículas, como por exemplo, a sua passagem pela barreira hemáto-encefálica, no tecido pulmonar e renal, ou até mesmo penetrar de forma descontrolada no interior de células do corpo humano.
A bionanotecnologia poderia conduzir a um aumento da iniqüidade econômica e das injustiças sociais tanto no nível das nações quanto em nível global, caso o País não invista de forma correta e responsável.
Nos países onde os problemas de saúde são gerados por falta de condições básicas de prevenção e de atenção à saúde, habitação, educação, o investimento em tecnologias de ponta necessita de uma discussão ética profunda, sobre a alocação de recursos.
Sobre esse aspecto podemos fazer um paralelo com a informática que mesmo com todo o avanço dos últimos anos, ainda necessita de movimentos da sociedade civil para aumentar a chamada Inclusão Digital. Os dados de exclusão são alarmantes: a Europa e os Estados Unidos possuem mais de 60% dos internautas mundiais, a América Latina fica com 5% e a África e o Oriente Médio com os irrisórios 2%.
Cabe a pergunta. Ciência para quem?
Para alguns defensores da bionanotecnologia, a implementação da tecnologia pode ter sempre suas finalidades controladas pela decisão humana, reduzindo, assim, os espectros sombrios da discriminação, do risco para a saúde ou do desequilíbrio incontrolável e irreversível ao meio ambiente.
Os oponentes afirmam que essa biotecnociência teria uma lógica própria, tão poderosa que seria uma forma de aniquilamento da liberdade de escolha dos indivíduos. Este ponto de vista pode ser denominado de determinismo tecnológico de onde derivaria, entre outras coisas, a certeza de que toda nova tecnologia, apesar de perigosa ou moralmente ofensiva, será implementada ou desenvolvida.
Coloca-se, sob o ponto de vista da bioética, a necessidade de analisar os argumentos morais de forma racional no sentido de se evitar, tanto a ideologia do endeusamento ingênuo da ciência quanto a ideologia de sua satanização.
Isto não quer dizer, no entanto, que as tentações criadas pelas possibilidades tecnológicas não devam ser ignoradas ou mitigadas. É certo também que elas não devem ser exageradas.
A maioria dos países, ao longo dos anos 90, iniciou um movimento de regulação da engenharia genética, realçando a importância do debate e das atitudes do público, o que ainda não aconteceu efetivamente com a bionanotecnologia.
Isto porque está cada vez mais evidente a noção da contingência da ciência, isto é, o conhecimento científico é incerto e sujeito a revisões. No campo da bionanotecnologia, não se poderia mais falar impunemente na neutralidade da ciência.
A confiança na tecnologia e na expertise científica está intimamente relacionada com a noção de risco aceitável. A percepção individual de risco nas sociedades modernas representa um importante fator de mobilização social.
A engenharia genética e a Doença da Vaca Louca estão provando ser um dos maiores fatores para uma percepção ampliada dos riscos inerentes à condição da sociedade moderna.
Neste sentido, a bioética cumpriria um papel fundamental de promover o debate sob a percepção púbica destas novas tecnologias. Pois não basta, como ressaltamos anteriormente, um parecer meramente científico sobre os riscos tecnológicos.
O próprio imbróglio em que se encontra a liberação dos transgênicos no Brasil é um bom exemplo sobre o que estamos a ressaltar. Não bastou para a sociedade organizada um parecer técnico produzido pela então, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Esta ficou sob graves suspeitas quanto à sua isenção. Não que seus componentes não tenham competência técnica e científica na área.
Assim sendo, defendemos que a regulamentação da nanobiossegurança deva andar estreitamente articulada com a bioética, como estratégia fundamental para a institucionalização e reconhecimento público das possibilidades tecnológicas para a sociedade.
O país ainda não dispõe de uma política consistente e coerente para enfrentar os riscos associados à bionanotecnologia. Seria oportuno que a Rede Brasileira de Nanotecnologia abrisse linhas de financiamento para pesquisas e cursos de formação em nanobiossegurança.
Lamentavelmente, a Câmara dos Deputados não acatou a proposta encaminhada pela Fundação Oswaldo Cruz, de se incluir, no atual projeto de lei que trata da biossegurança dos transgênicos as questões envolvendo a bionanotecnologia. Portanto, vamos continuar com um vazio legal, referente às normas de segurança envolvendo as nanopartículas associadas aos processos biológicos, sem xenofobia, mas com grande responsabilidade social.
É premente que a comunidade científica responsável e a sociedade de uma maneira em geral, arregimente esforços para recuperar a credibilidade dos órgãos responsáveis pela biossegurança no Brasil e que se crie um marco legal confiável, para que não se perca os possíveis benefícios desta poderosa tecnologia.
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